quarta-feira, 15 de agosto de 2007

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Denuncio: é tirania pura
ê troço imperioso, sô
Arre!
mas a gente ainda burla a Despótica,
faz troça dela
escarnece
ri muito
e depois decapita
e começa outro capítulo
e encontra outra tirânica.
é que está dentro,
em nós a imperativa,
fugir é que não dá,
saída é que não há.
ela é sempre e nos manda.
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Vinha ali pela rua, subindo, aparecendo rente ao horizonte lá bem no final. Ligeiramente a cada pisada à frente vinha maior, apressadamente abanava-se aflito. Hora e outra cessava a ventilação para, com as mãos, fazer contrapasso aos tropeços dados nuns tantos paralelepípedos soltos da doce rua, na plena cidadezinha. E apesar das meias dúzias de árvores, pelas laterais da via plantadas há muito, não se blefava o requeime, é que o sol era sempre muito redondo e branco no pino do céu, e elas faltosas de folhagem negavam sombra a passagem. E derretendo-se vinha o moço! Suando a camisa no peito e molhando-a na manga ao enxugar, repetidamente, a água que brotava da testa com fluidez de nascente de rio que abunda. Chutou alguns muitos cachorros, que por ali nasciam feito coelho, que culpa de nada tinham, e pisou por fim na calçada da praça.
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Era sábado, lá pelas duas, praça cheia. O coreto no centro gasto de tanto tempo que música nunca mais ecoara e agora, em seu rebaixamento social, comportava saltos e estripulias de crianças energéticas que não cessavam nunca. Algumas se preocupavam em lutar contra o sol que queria roubar-lhes os picolés, com golpes rápidos de línguas lambiam velozes antes que os sorvetes cobrissem inteiras as mãos do líquido pegajoso que, dali escorria até a ponta dos cotovelos, e antes de pingar no chão subiam evaporados para o céu. E tinha lá mais todo tipo de gente igual, umas em pé a falar sobre o calor, outras pelos bancos sem cor, sentadas, a falar sobre o calor e mais um punhado de pombos pousados no ar condensado. Foi o nosso rapaz,palpitante, bem para frente do coreto subiu no banco de maior evidência aos olhos marasmados e levando as mãos, que imitavam conchas, à boca gritou forte:
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- ATENÇÃO, ATENÇÃO!
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A atenção devida não foi dada, a acústica que as mãos construíra de
nada adiantou. Era preciso falar mais alto e mais cuspido, porque de fato a camada de calor atrapalhava a caminhada das ondas de som pelo ar. Saídas secas da boca ficavam estancadas na primeira fronteira de ardor adocicado, numa mistura compacta de quentura e sorvete, e até os ouvidos de todos não chegava . Desfez a conchinha e, com as mãos, afastou um pouco de calor.. e falou bem alto e provocando umidade. -Atenção atenção E deram!
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Mesmo aos que o som não chegou fez-se uns cutucões e formam informando-se todos do comunicado! E chegavam mais perto, curiosos, para ouvir. E depois da atenção deram tensão. É que nosso rapaz trazia em seu discurso idéias vanguardistas de revolução e falava de abusos de poder e submissão de todo o povo. Demorou um pouco para todos compreenderem o que dizia, foram 7 dias e 7 noites da mais fluida retórica e observavam democráticos e aderindo aos poucos a idéia de decapitar a tirânica. Até o prefeito concordou, os que não acabaram persuadidos por leques e ventiladores. O plano era simples, queriam guilhotiná-la. mas como ninguém sabia construir tal aparato optaram por matá-la com qualquer tipo de ferramenta. E Não planejaram mais nada, pois se assim fizessem teriam tempo para pensar melhor . Iriam até lá, na luz da próxima manhã, faltava alguns quartos de horas.
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O sol apontou fervente no princípio do céu alaranjado. Já estavam em seus postos em pé e prontos, agarrados firmes em suas ferramentas para o combate e, após votos de boa sorte, deram inicio a jornada. Iriam burlar a despótica...fazer troça dela, escarnecer,rir muito! E depois decapitar com unhas e fúria.
Daí que na densidade do todo iam, mascarando-se uns nos outros, pela rua reta e depois à direita, escondendo-se atrás das armas, que podia ser pedra ou qualquer material cortante, E então na leve ladeira inclinavam-se já em um trote lento faltoso de cólera, mole na ira.Começou a transpassar os passos dos justiceiros certa cadência tremula. abaixo dos pés a pontezinha bamba, passavam por cima do lamaçal fervente e fundo, estavam chegando. Algumas meninas precipitaram a chorar, gostavam da imperiosa que as distraia dos dias fartos de enfado, as lagrimas se soltavam dos olhinhos encharcados da mocinhas e iam molhar o céu.O nosso moço, ao perceber o comportamento de seus belicosos, procurou uma pedra alta foi pra cima dela e iniciou lecionando o ódio.
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Passaram cinco horas e ao termino completou as lições afirmando que estavam sendo entorpecidos por aquele cheiro de flores, saturava toda a estrada, naquele perfume adocicado é que estava o mal estar da caminhada. e que ia transformando os apetrechos de guerra, que carregavam nas mãos, em flores. deixava nebuloso os sentidos e ia ofuscando toda a clareza da verdade, procedimento Dela pra se defender da má sorte que chegava, explicou . Mandou então q todos não respirassem mais, e obedeceram, já mais pálidos e elucidados pelo saber, retornavam estufados ao estado de rancor .Nosso moço ainda advertiu, viril, à todos para que não olhassem nos olhos da Imperativa. .É que aqueles olhos negros, poço sem fim, subtraía até o mais analítico dos homens em eternas partículazinhas e as sugavam num universo infinito e sem luz.
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Caminharam um pouco mais, ainda no reto, ainda pra cima, pros lados em curva e depois mais pra baixo, e iam enganando o calor com o suor frio. E do fundo de flores e arbustos e espinhos, encontraram-na. Estava pairando sob dentes de leão, envolta por borboletas de infinitas cores fortuitas. Lançava-se bailando ao acaso com algumas centenas de pássaros pequenos, ia arqueando os braços que formavam residência transparente dando voltas em volta da cabeça. Seus pés delicados apontavam em setas e tocavam levemente pedaços de ar que se convertiam em muita luz. Tinha certa peculiaridade na fisionomia que gerava encanto espantado, o estomago de todos gelava as vezes rápido, por hora aos poucos. E foram tratando de cerrar bem os olhos e fazê-la desintegrada já na visão. Não era certo olhá-la, se despregassem um pouco as pálpebras exprimidas, entre os cílios, viriam-na desprovida de formas nítidas toda recortada pelos fios dos olhos, e já assim seria suficiente pra provocar-lhes tempestades de submissão, ajoelhariam diante de suas doloridas regras, dolorosas ordens. Especulava ,ela, pela emoção e sem hesitar em escrúpulo. Alguns bocados de homens, que não resistiram ao canto que vinha da cena, abriram os olhos para espiar e iam logo explodindo em pétalas a compor adejados o céu, soterrados o chão, impregnados do infinito do entorno dela.
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Sucedeu então uma atordoante subtração no número de homens que compunham o grupo de enfurecidos. muitos deles já eram cores, matizados em fragmentos vermelhos dispersos por todo ar. outros já sem prender a respiração estufavam-se com o cheiro , os pulmões logo rebentavam dentro das estruturas fortes de carne e ossos , inundando todo o organismo daquele gosto agudo e doído que ia escapando em brotos de gotas ferventes pelos poros, queimando a pele. As lancinantes sensações confundia todas as vias lógicas da compreensão,. capturados, rendidos, entregavam-se, perdidos deles próprios dentro do calor que vinha dela. Estavam seivosos e dispostos a morrer. Largavam-se em espasmo sucumbindo para cima .
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Nosso moço, único ainda que recordava o porque de estarem ali, berrava a verdade desesperado esperando chegar sua voz aos homens . Ao perceber que suas palavras nada influía a multidão, calou, construiu-se em coragem decidiu ir sozinho, apenas com uma faca em uma das mãos, a outra ia espalmando o espaço e abrindo passagem entre as nuvens de pétalas. E ao chegar não conseguiu feri-la. Nosso moço chorou muito, desamparado, abandonado, abaixo da imaterialidade que era Ela. Então percebeu ali, encolhido e todo sujo de calor, qual era a única maneira de vencê-la .Ergueu a faca e  a trouxe até o próprio peito, e chorou ainda mais ao ver entre as mãos, no lugar da arma, uma flor.

Ao Amigo Poeta!

" A poesia é a arte de pôr em movimento o fundo da alma; de revelar a individualidade ativa; de manifestar o mundo interior na sua totalidade. De acordo com este "coração produtivo", tudo pode ser enciclopetizado, a partir de um método que libere o gênio, submetendo seus mergulhos a uma crítica lúcida. O poeta filósofo é bem o criador absoluto, porque o univeso de cada homem, quando sentido e vivido em sua plenitude, é universal."
PAUWELS